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Foto do escritorPimenta Rosa

Comunidade judaica e LGBTQAIPN+: união inclusiva que leva à sério os direitos

Em artigo especial para o Pimenta Rosa, Natasha Alexander, que integra a liderança do HINENI, grupo integrante da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), fala do acolhimento à comunidade



10.616 km. Essa é a distância que separa a cidade de São Paulo de Tel Aviv, em Israel. No entanto, um fato as une. Durante o mês de junho, considerado o mês do Orgulho LGBTQAIPN+, jovens, casais e famílias caminham pelas principais avenidas das duas localidades - no Brasil, pela Paulista, e em Israel, pela Shlomo Lahat - carregando consigo suas bandeiras de inclusão e de igualdade para a comunidade LGBTQAIPN+ em um evento que reúne milhares de pessoas que apoiam a causa.



Israel reflete duas grandes características do povo judeu: ele é plural e inclusivo, algo que vem desde seus primórdios. Hachnasat orchim, um preceito judaico de hospitalidade e inclusão traduz bem esses princípios. “A marca registrada de Abraão era sua política de tenda aberta. Certa vez, ele estava conversando com o próprio Deus quando alguns viajantes apareceram à distância. Ele pediu licença e saiu correndo para convidar as pessoas. Para Abraão, a hospitalidade era ainda maior que a comunhão com Deus. Mesmo nos piores momentos, cada comunidade judaica tinha uma sociedade que fornecia alimentação e alojamento a qualquer viajante, sem discriminação”.



Complexo e inclusivo, o país tem feito um forte trabalho de inclusão aos integrantes da comunidade LGBTQAIPN+, concretizado em forma de uma legislação que ampara seus direitos e acessos. E isso tem colocado Israel em destaque quando se fala no tema. Hoje o país ocupa o sétimo lugar no ranking de felicidade para homens gays, ficando à frente de países como Alemanha, Bélgica e Austrália.



Pesquisas feitas pelo Channel 10 News durante o mês de junho, em 2018, apontaram que 58% dos cidadãos israelenses apoiam a legalização do casamento homossexual. No ano anterior, em um outro levantamento feito pela empresa, 60% deles se posicionaram a favor da adoção por casais do mesmo sexo.



Em 2023, o Canal 13, também de Israel, foi a campo conversar com os israelenses e descobriu que 61% deles apoiam a concessão de direitos iguais para pessoas LGBTQAIPN+. Outro aspecto que depõe a favor do país é a proibição de terapias de reorientação sexual. E até na política, a representatividade da comunidade LGBTQAIPN+ é relevante: Israel é o quarto país com mais pessoas do grupo integrando o Congresso, ficando atrás somente da Inglaterra, Liechtenstein e Escócia.



Percorrendo os mais de 10 mil quilômetros de distância e chegando de volta à São Paulo, por aqui há várias iniciativas da comunidade judaica com foco na inclusão. Algumas delas são colocadas em prática pelo HINENI - que em hebraico, significa “Nós estamos aqui” - grupo da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp). Criado pela Fisesp em 2020, com apoio de Ricardo Levisky, tem como intuito dar visibilidade às pessoas judias LGBTQAIPN+, promovendo reconhecimento e coexistência inclusiva dentro de ambientes judaicos. O objetivo é mostrar que, sim, é possível seguir o judaísmo e ser LGBTQAIPN+, exercendo as duas identidades ao mesmo tempo.



O HINENI atua em quatro eixos estratégicos e com três públicos-alvo diferentes: pessoas LGBTQIAPN+ e suas famílias, as instituições judaicas, e a comunidade judaica em si. Trabalha princípios como a aceitação própria, a reconexão com a religião, a educação nos espaços de convivência e a inclusão, oferecendo segurança e acolhimento dentro da comunidade judaica.


Para darmos ainda mais voz a essa causa, o HINENI trabalha em parceria com outros grupos judaicos alinhados aos mesmos princípios, como o MOV 20235, ligado à Congregação Israelita Paulista (CIP), e ao Gaavah, do Instituto Brasil Israel (IBI).



Ao longo dos anos, venho acompanhando a evolução desse trabalho tão relevante feito pelo HINENI - estou envolvida há cinco anos com o grupo, ocupando a cadeira de liderança da organização nos últimos dois anos. No início de sua atuação, tínhamos que bater na porta das instituições - sinagogas, escolas, clubes, entre outros - para oferecer um trabalho de inclusão. Muitas aceitavam, mas, de início pediam para não colocar seu nome nas iniciativas, e outras afirmavam que ainda não estavam prontas para esse passo.



Hoje, com a construção do trabalho do HINENI e dos demais grupos de inclusão, vivemos uma outra realidade. Hoje somos procurados para fazer eventos voltados para o esclarecimento sobre a importância da inclusão da comunidade LGBTQAIPN+ nos ambientes judaicos, além de montar programas que vão ser colocados em andamento não somente no mês de junho, mas durante o ano todo.



Minha maior alegria é ver o salto quantitativo e qualitativo observado quando avaliamos o impacto das ações do HINENI. O número de judeus assumindo as duas identidades não para de crescer, participando cada vez mais dos momentos da vida judaica. Outra medida de sucesso é mensurada quando acompanhamos um volume expressivo de judeus LGBTQAIPN+ frequentando ambientes como sinagogas, clubes, entre outras instituições, sem ficarem com receio de sofrerem qualquer tipo de preconceito. Hoje, nós nos sentimos mais seguros de frequentar espaços judaicos, assumindo livremente nossas ambas identidades - LGBTQIAPN+ e judaica.



Para mim, esse tipo de conquista tem um sabor mais especial. Nasci em uma família judia, sempre tive uma forte relação com a comunidade e fui ativa com os movimentos juvenis e no trabalho comunitário. Porém, quando me assumi uma pessoa LGBTQAIPN+, me afastei da comunidade com receio de não ser aceita. Hoje, com o trabalho dos grupos de inclusão, estou vivendo a oportunidade de me reaproximar do judaísmo e descobri que eu posso juntar minhas duas identidades, LGBTQIAPN+ e judaica.


Costumo dizer que o nosso sonho é que um dia o HINENI não precise mais existir. Temos a sorte do judaísmo ter raízes inclusivas, porém ainda temos um longo trabalho pela frente. Queremos que todos os membros da comunidade judaica sejam bem-vindos na mesma tenda e se sintam igualmente incluídos e acolhidos, podendo vivenciar todos os aspectos de suas identidades.

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