Eduardo Leite se declara gay em rede nacional e recebe críticas e apoio
Governador do Rio Grande do Sul se declarou gay no programa 'Conversa com Bial', da TV Globo, e recebeu uma chuva de elogios, inclusive de adversários políticos, e críticas
As redes sociais não pararam desde que o governador do Rio Grande do Sul e um dos pré-candidatos do PSDB à Presidência do Brasil, Eduardo Leite, anunciou na noite desta quinta-feira (01/07), no programa 'Conversa com Bial', da TV Globo, que é gay. De tudo o que foi dito durante o programa, o fato de ter se assumido e dizer que tem orgulho de ser quem é foi o que ficou. Imediatamente choveram elogios, inclusive de adversários políticos, como governador de São Paulo, João Doria, que pretende disputar a indicação à presidência com Leite nas prévias do PSDB, e críticas, de todos os campos ideológicos.
A discussão, durante esta sexta-feira (02/07), foi se o país, que atravessa um oceano de conservadorismo, está preparado para eleger um presidente abertamente gay. Ainda mais um país que tem entre suas máculas o fato de ser responsável pela metade das mortes da população LGBTQIA+ do mundo e apresenta uma política feita ao estilo dos antigos coronéis e feitores de escravos do Brasil Colônia.
Para Luiz Mott, professor de Antropologia da Universidade Federal da Bahia e fundador do Grupo Gay da Bahia, um dos mais antigos e ativos do Brasil, mesmo o país sendo extremamente violento e onde a homofobia é estrutural, os novos movimentos das urnas mostram que há espaço para uma candidatura de um presidente LGBT. Com origem no catolicismo, que sempre condenou os homossexuais, e no escravismo, onde uma pequena minoria de machos brancos dominavam toda a população negra do brasil, homens e mulheres, e precisavam ser ultra machos e muito viris para manter o clima de medo e subserviência da população.
Paulo Maluf já dizia que, na boca do povo, todo político é veado, corno ou ladrão. Na verdade a homossexualidade foi muito utilizada em eleições passadas para desqualificar adversários. Eu considero que a eleição de 30 travestis nas últimas eleições demonstram que há uma abertura. Alguns personagens trans acabaram sendo os mais votados em seus municípios, de modo que, na minha opinião, existe cada vez mais espaços para eleição de candidatos LGBTQIA+', frisou o antropólogo.
A cientista política Ana Carolina Milani aplaude a atitude do gaúcho e admite que a declaração, certamente, vai mexer no tabuleiro das eleições. Entretanto ela não acredita que haja maturidade na política brasileira para uma eleição de um presidente gay nesse momento. Se antes Leite era conhecido pela sua gestão no Governo do estado do Rio Grande do Sul e pelos simpatizantes do PSDB, agora ele se destaca ainda mais por ter capacidade de representar essa comunidade tão violentada no nosso país.
'A política brasileira ainda vive nos moldes conversadores, tanto que elegeu o último presidente em nome da moral e dos bons costumes, presidente que sempre deixou, e ainda deixa, bem claro a sua posição em relação à comunidade LGBTQIA+. Eduardo Leite se declarar gay é, sem dúvida e acima de tudo, um ato de coragem, principalmente quando o mesmo também declara que recebe ataques e piadas sobre a sua sexualidade. E isso, infelizmente, não acontece apenas com um político, vemos diariamente amigos, familiares, colegas e conhecidos recebendo violência e opressão de outros. Enquanto o brasileiro não aprender a respeitar o gênero e a sexualidade do seu próximo, não teremos maturidade para um presidente LGBTQIA+', lamentou Ana.
A drag queen Isabelita dos Patins, que tem uma clássica foto beijando o então ministro da Economia e futuro candidato à presidência Fernando Henrique Cardoso, no réveillon de Copacabana, em 1993, diz que declarações como essas ajudam a dar visibilidade à causa LGBTQIA+. Ela aplaudiu a atitude, desejou sorte, mas acredita que ainda é muito cedo para que um homem, assumidamente gay, seja eleito presidente.
'Acho ele muito boa pinta, fala muito bem. Pode ser que tenha sorte. O preconceito existe, lamentavelmente, e parece que ele tem boas intenções, mas só o tempo vai dizer. Dou os parabéns por ele sair do armário', disse do alto de seus patins.
Já o presidente do Diversidade Democratas, Bruno Alves, acha que ainda é muito cedo para avaliar o quanto essa declaração irá mexer o xadrez político. Para ele, é preciso acompanhar os próximos passos do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Porém, acrescenta, é importante ressaltar que o gesto de assumir a homossexualidade, em um país que transpira sob o calor do preconceito, é bem vindo e necessário. Uma coisa é certa, adianta, A pauta da comunidade LGBTQIA+ acaba de ganhar protagonismo no processo eleitoral.
'É fundamental e necessário, para que as políticas públicas sejam efetivas, a participação dos indivíduos diretamente ligados à essas pautas nos espaços de poder e tomada de decisão. Da mesma forma é importante compreender o papel que a representatividade tem na vida dessas pessoas. Nós que fazemos parte de grupos minoritários precisamos ter cada vez mais exemplos, seja na política, no jornalismo, no entretenimento, no esporte, porque durante a vida a todo momento é nos dito que não somos capazes. Isso não é verdade, mas fragiliza e dilacera muitos sonhos que poderiam ter se tornado reais', acrescentou.
Essa posição também é defendida pelo senador capixaba Fabiano Contarato (Rede), primeiro senador gay eleito no Brasil. Para ele, Eduardo Leite fez um gesto histórico e de bravura ao assumir publicamente sua orientação sexual.
'Num Brasil infelizmente ainda homofóbico, racista, misógino e desigual, uma personalidade pública expor sua vida pessoal significa encorajamento p/ todos os que sofrem no dia a dia tendo que esconder o que são, não podendo viver sua verdade e seu amor. Parabéns, Eduardo!', aplaudiu.
Mesma atitude teve o jornalista e digital influencer Felipe Ruffino, que vislumbrou coragem na declaração do governador do Rio Grande do Sul, que dá visibilidade a questões até então consideradas tabu. Para ele, a orientação sexual do candidato não importa, mas sim a sua competência e trabalhar para a construção de políticas que sejam inclusivas e cheguem a todos os brasileiros, sem distinção de cor, raça, religião ou orientação sexual.
'É muito importante o posicionamento dele, porque sempre foi vista com outros olhos. Se posicionar como LGBTQIA+, principalmente no meio político, é romper algumas barreiras que a própria sociedade impõe. O fato dele ter feito essa declaração ao Pedro Bial, em rede nacional, só reforça que o LGBTQIA+ e as demais minorias podem, de fato, estar em qualquer lugar que elas queiram. Que isso não seja um pré-requisito para assumir um cargo, mas a competência', disse Ruffino.
O jornalista e diretor do Diário do Rio, Quintino Gomes Freire, lembrou que as pautas ligadas ao movimento LGBTQIA+ são tradicionalmente de esquerda. Com essa atitude o governador mexe com o tabuleiro.
'Ao se assumir gay, Leite se coloca como terceira via. Defende pautas liberais na economia e tira da esquerda a pauta dos gêneros. Vira fato novo e a chance de unir o Brasil de novo', explicou.
Ponderações e críticas
O ex-presidente da Juventude Democrata, Bruno Kazuhiro, disse que declarações como a dele são importantes, mas adiantou que a comunidade LGBTQIA+ sempre esteve associada ao campo ideológico da esquerda e seria preciso esperar a definição do programa de governo dos candidatos para saber quais estariam mais alinhados com as demandas da comunidade. A mesma posição do presidente da Aliança Nacional LGBT, Toni Reis, que admirou a coragem do governador, mas frisou que é preciso esperar a definição da pauta dos candidatos.
'Achei um gesto corajoso e acho importante para a nossa causa, mas eu nunca votei em uma pessoa pela orientação sexual ou pela identidade de gênero. Sempre voto pelas propostas e o que as candidaturas vão defender para a Saúde, para a Educação, para a Cultura, para a empregabilidade, enfim, para as políticas públicas. Leite é uma pessoa que votou no Bolsonaro e, parece-me, que ele não votará mais', disse.
A primeira vereadora transexual de Niterói, Benny Briolly (PSOL), afirmou que a repercussão em torno da declaração do governador gaúcho é importante porque está gerando um bom debate. Entretanto, segundo a vereadora mais votada de Niterói nas últimas eleições, é preciso que esses espaços de poder sejam ocupados por pessoas da comunidade LGBTQIA+ que sejam engajadas e alinhadas com as pautas do movimento. Ela ressaltou que, 'se são aliadas de políticos e governos genocidas e LGBTfóbicos não nos representam'.
Essa opinião é compartilhada pelo jornalista, escritor, roteirista e cineasta Valmir Moratelli, que aplaude a atitude, mas adianta que a aceitação da diversidade deve se sobrepor a qualquer partido político, porque é questão de individualidade de vida. Que a luta LGBTQIA+, tradicionalmente defendida pela agenda da esquerda, seja inspiração para que também a direita combata as atrocidades do atual governo, frisou. 'Precisamos de mais representantes de altos comandos, para desfazer a política genocida que tanto persegue e mata LGBTs no país'.
'Digo isso porque considero importante que não nos esqueçamos de que ele é governador por um partido de direita (PSDB), eleito com apoio de um homofóbico racista e genocida. Leite foi apoiado e apoiou Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018. O seu partido está em vias de escolher internamente o candidato para a eleição de 2022, tendo Dória o nome mais popular até aqui. A direita precisa escolher um caminho mais ao centro e se dissociar de quem nos governa. Nada mais natural que abrace causas que, tradicionalmente, nunca lhes importaram', completou.
Na saída do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro debochou da declaração de Eduardo Leite e disse que não aceita que ele tente impor seu modo de vida a ninguém.
'O cara está se achando o máximo, está se achando o máximo... Olha, bateu no peito: 'Eu assumi'. É um cartão de visita para a candidatura dele. Ninguém tem nada contra a vida particular de ninguém, agora querer impor o seu costume, o seu comportamento para os outros…', disse aos jornalistas.
Números insignificantes no universo político
Em um universo de dezenas de milhares de políticos eleitos em diversas esferas, os casos de políticos assumidamente homossexuais são raros no Brasil — como os ex-deputados Jean Wyllis (PSOL-RJ) e Clodovil Hernandes (PTC-SP e PR-SP, falecido em 2009), o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ, que substituiu Wyllis quando este renunciou, em 2019) e o ex-prefeito de Lins (SP), Edgar de Souza (PSDB).
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