Literatura Trans e LGBTQIA+: uma revolução silenciosa nas páginas do Brasil
Publicações e iniciativas culturais ampliam a visibilidade e o reconhecimento de autores trans e negros, promovendo diversidade e resistência através da literatura.
Ainda que enfrentem desafios significativos em termos de representação e inclusão, a literatura tem se tornado um pilar de avanço para a população trans e travesti. Esse progresso é impulsionado pelo crescente reconhecimento da importância de dar espaço a vozes diversas nas obras. Segundo Amara Moira, Coordenadora de Exposições e Programação Cultural do Museu da Diversidade Sexual, o número de publicações cresceu consideravelmente nos últimos anos.
'Entre 1970 e 2021, foram cerca de 100 obras lançadas, incluindo crônicas, poesias e textos acadêmicos. Mais de 60 dessas obras foram publicadas apenas entre 2017 e 2021, o que representa um avanço relevante', explica Amara.
No Brasil, autores trans começaram a ser publicados por grandes editoras recentemente. Entre os destaques estão Eu Travesti (2019), de Luísa Marilac, publicado pela Record; A Construção de Mim Mesma (2021), de Letícia Lanz, pela Objetiva; e Neca (2021), de Amara Moira, pela Companhia das Letras. Além disso, obras brasileiras estão sendo traduzidas para outros idiomas, como E se Eu Fosse Puta, de Amara Moira, que será lançado em inglês pela Feminist Press.
'Apesar desse avanço, ainda há um longo caminho em busca de igualdade de oportunidades. Incentivar a inclusão e a divulgação de novos autores é essencial', reforça a especialista.
Iniciativas Culturais para Promover Autores Trans e Negros
O Museu da Diversidade Sexual, vinculado à Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas de São Paulo, criou o projeto Clube do Livro, que durante o primeiro semestre de 2024 abordou o tema Autobiografias Trans. Realizado de forma online, o clube promoveu encontros literários sobre obras como A Queda para o Alto (1982), de Anderson Herzer, e A Princesa: Depoimentos de um Travesti Brasileiro (1995), de Fernanda Farias de Albuquerque e Maurizio Jannelli.
Além do clube, o museu mantém iniciativas como o Núcleo de Educação para a Diversidade e o Centro de Empreendedorismo e Formações, ambos voltados à capacitação profissional e educação em pautas LGBTQIA+.
A Importância da Literatura para Comunidades Minorizadas
'A literatura é um recurso poderoso para conscientizar e valorizar a história e a cultura de pessoas negras e LGBTQIA+' afirma Beatriz Oliveira, Gerente de Conteúdo do Museu da Diversidade Sexual. 'Ela não apenas narra vivências, mas também transforma realidades, dando visibilidade e fortalecendo a representatividade desses grupos'.
Com o intuito de destacar autores negros e LGBTQIA+, o museu recomenda obras contemporâneas que exploram temas de identidade, racismo e resistência:
O Beijo do Rio, de Stefano Volp
A trama acompanha Daniel, um jornalista que retorna à sua cidade natal após uma década para investigar a misteriosa morte de um amigo de infância. Durante a investigação, ele se depara com políticos locais e uma influente seita religiosa, enquanto revive memórias de sua juventude marcada pelos desafios de ser um homem bissexual e negro em uma comunidade conservadora.
Amora, de Natália Borges Polesso
Neste livro de contos, Natália retrata histórias sobre o amor entre mulheres, compondo um panorama delicado da sociedade. A obra explora diferentes realidades e formas de afeto, sempre com uma abordagem sensível e empática. Traduzido para diversos países, "Amora" foi indicado ao Prêmio Jabuti.
Ás de Espadas, de Faridah Àbíké-Íyímídé
Este thriller aborda temas como racismo, homofobia e desigualdade de classe ao narrar a história de Chiamaka e Devon, dois alunos que, ao serem promovidos a líderes de turma em uma escola de elite, passam a ser alvo de mensagens anônimas que revelam segredos capazes de comprometer seus futuros planejados com tanto esforço.
Jake Livingston vê gente morta, de Ryan Douglass
Jake Livingston enfrenta o desafio de ser o único aluno negro e gay da escola, além de enxergar fantasmas diariamente. Quando um novo colega desperta sentimentos intensos, Jake começa a questionar se deve ignorar as opiniões alheias para viver um romance. Ao mesmo tempo, precisa lidar com um espírito obcecado por ele, testando seus limites no mundo espiritual.
Felix para sempre, de Kacen Callender
Felix Love nunca experimentou o amor e acredita que, por ser negro, transgênero e queer, essa experiência está fora de seu alcance. Quando um anônimo expõe fotos de sua vida antes da transição, acompanhado de mensagens transfóbicas, Felix trama uma vingança. No entanto, esse plano o leva a um triângulo amoroso e a profundas reflexões sobre si mesmo e suas relações.
Em todas as gotas de chuva, de L. S. Englantine
Atena Lisboa e Cordélia Salgueiro cresceram em uma cidade pequena, separadas por uma rivalidade familiar intensa. O destino as reúne em uma viagem de trem que pode transformar a relação entre suas famílias. Paralelamente, o livro aborda Sabrina e Julietta, tias das protagonistas, apresentadas como melhores amigas que, na verdade, vivem como casal.
A morte de Vivek Oji, de Akwaeke Emezi
Ambientado na Nigéria, este romance oferece uma narrativa profunda sobre identidade, amor, sexualidade e luto. A história alterna perspectivas e linhas temporais para contar a vida e a morte de Vivek, uma pessoa de gênero fluido, e o impacto de sua trajetória em seus familiares e amigos.
Um traço até você, de Olívia Pilar
Ao iniciar um estágio, Lina percebe olhares desconfiados e tarefas que minam sua confiança, levantando suspeitas de racismo. Quando conhece Elza, Lina encontra inspiração para explorar seu lado artístico e descobrir sua verdadeira identidade. A história aborda temas sensíveis de autodescoberta e os desafios enfrentados por uma jovem negra na vida adulta.
Essas obras, entre muitas outras, reafirmam o papel da literatura como um espelho de diversidades, ampliando a compreensão e o respeito pelas múltiplas formas de existir. O desafio agora é garantir que essas vozes continuem a ecoar, inspirando novas gerações a escreverem suas próprias histórias.
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