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Pátria

Eduardo Papa

'Eu quero pedir pelo amor de Deus que os Estados Unidos invada o Brasil.'

Marcos do Val – Senador pelo Espírito Santo.


A PERGUNTA- BRASIL 2021 ( mosaico em edil vinil acetato de 50x70cm). Na obra, Eduardo Papa expressa sua percepção sobre seu país nos dias atuais
A PERGUNTA- BRASIL 2021 ( mosaico em edil vinil acetato de 50x70cm). Na obra, Eduardo Papa expressa sua percepção sobre seu país nos dias atuais

Por Eduardo Papa*


A ascensão mundial do fascismo ora em curso, aqui no Brasil criou uma fauna muito peculiar – os patriotários. Denominação jocosa atribuída aos fiéis seguidores do nosso füher tupiniquim, uma multidão ruidosa que brotou em todo o país, disposta a passar qualquer vergonha para salvar o Brasil do comunismo. Deixando de lado o aspecto caricato dessa turba, cuja indigência intelectual proporcionou cenas de dar frouxos de riso, precisamos sim atentar para o perigo que representam. A máquina de lavagem cerebral das redes sociais dos oligarcas estadunidenses, manipulando com eficácia milhões de pessoas, fez a maioria em nossas casas legislativas (nos brindando com políticos da qualidade do senador supracitado), elegeu e quase reelegeu Bolsonaro, por pouco não foi bem-sucedida em um golpe militar para instituir uma ditadura, e continua em atividade agressiva para expandir seu poder, para o qual recusam-se a aceitar qualquer limitação.

 

O discurso do patriotário de hoje é essencialmente o mesmo do barriga verde do século passado. Ícones reacionários da TFP, que pareciam estar esquecidos no fundo do baú, reaparecem sustentados por multidões nas maiores cidades do país. Em reuniões entre pais e mestres, assembleias de condomínio, festinhas familiares, cultos religiosos, academias de ginástica, locais de trabalho, e por toda parte, surgem vozes veementes em defesa dos princípios da moralidade e dos valores tradicionais de nossa pátria. Geralmente uma gente exaltada, reafirmando a cada momento sua própria honradez e manifestando sua profissão de fé na defesa do Brasil, ameaçado por poderosos inimigos, esquerdistas insidiosos que sordidamente, liderados pelo ‘nine’, pretendem subverter os valores tradicionais da mãe pátria forjados em um passado glorioso.

 

Aí, nesse ponto o discurso começa a fazer água. Ainda que gastem milhões, procurando criar para o público um passado fantasioso, não dá para esconder que a nação brasileira ainda é algo em formação embrionária. No território nacional brasileiro existem várias nações indígenas, grupos sociais que, além da identidade linguística, se reconhecem como tendo a mesma tradição ancestral e compartilham a mesma cultura. Já no caso de buscar identidades nacionais para o conjunto da população brasileira, há grandes dificuldades a serem superadas: uns tiveram seus ancestrais escravizados pelos ancestrais de outros e herdaram uma condição econômica subalterna na sociedade, mantida e reforçada pelo preconceito racial; os povos originários são alvo de um projeto de destruição física ou assimilação cultural que os destina a uma condição de miséria; a concentração de renda gerada no passado colonial e aprofundada pela condição de economia periférica, mantém milhões de pessoas excluídas dos benefícios do crescimento econômico.

 

Por outro lado, a classe dominante forjada no Brasil, apavorada desde os tempos da colônia com uma possível rebelião de escravos, cristalizou-se ciosa de seus privilégios e refratária a qualquer concessão econômica aos que foram deixados para trás no desenvolvimento econômico. Não aceitou dividir a terra, derrubou todos os governos e demonizou todos os líderes políticos que defenderam uma maior integração social e divisão da riqueza e avança com gula insaciável para esbulhar tudo o que de generoso para com o povo pobre os setores progressistas conseguiram garantir em nossa sociedade. A burguesia financeira e o latifúndio exportador, hegemônicos em nossa economia, jamais vão apostar na construção de uma nação forte e soberana. A identidade dessa gente não está em nosso país, não se sentem brasileiros, são capazes de doar milhões para a reconstrução de Notre Dame e sequer uma prata para o Museu Nacional da Quinta. Estão muito confortáveis como feitores nesse imenso engenho em que vivemos, e deles só se pode esperar é o chicote. Está claro que não será com sua direção, mas lutando contra eles, que nosso povo há de forjar uma nação, que concretize a utopia maravilhosa do genial Darcy Ribeiro:

 

‘... o que somos é uma nova Roma. Uma Roma tardia e tropical... Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da terra.’ (1)

 

Aí que entram os patriotários: para manter sua hegemonia, a classe dominante precisa encontrar meios de convencer grandes setores da população a atuar contra seus próprios interesses, e a resposta para isso é o fascismo. A ideologia fascista começa a ser forjada pelo terror, incutir o medo nas massas é a primeira tarefa, por isso todas as pesquisas de opinião apontam a segurança como maior preocupação do eleitorado. A quantidade de programas do tipo ‘mundo cão’ e o grande destaque dos noticiários dado a casos de violência criam o clima de ameaça constante para a população. O segundo passo é criar um inimigo comum para canalizar o temor das pessoas, no caso os esquerdistas que ameaçam a pátria mãe, passo importante para transformar o medo em ódio; afinal, como na família, a pátria é como a mãe que cuida e alimenta, e passa a ser ameaçada de maneira insidiosa, com seus valores morais fundamentais enxovalhados bem na frente de todos.


Os patriotas, infantilizados e impotentes ante a ameaça, encontram na força e determinação do líder fascista (que ocupa a função do pai autoritário), o único caminho capaz de conduzir à vitória dos justos nessa luta do bem contra o mal. Colocando assim parece um esquema simples não? E de fato é, mas funciona bem, levou milhões de trabalhadores a apoiarem guerras imperialistas e regimes ditatoriais, que representaram a ruína de suas vidas no século passado, e hoje volta com toda força surfando nas redes sociais.

Aqui no Brasil, como a nossa burguesia não tem um projeto de desenvolvimento próprio, mas aceita a condição de subordinação a economia central do império estadunidense, os nossos patriotas tem que incorporar o bonezinho vermelho do MAGA (Make America Great Again) aos modelitos verde e amarelo em suas micaretas. Sem problemas, afinal, o nosso grande irmão do norte é um baluarte e exemplo da luta contra o comunismo no mundo, e cabe a nós apoiar incondicionalmente a cruzada mundial em defesa da liberdade e da democracia dos EUA. E se o nosso governo não colabora, que seja enquadrado pelo exército americano, como defende o nosso galhardo senador capixaba, acompanhando o vergonhoso e humilhante périplo de Eduardo Bolsonaro et caterva nos EUA, em busca de apoio para o golpe militar no Brasil.

 

1.      Ribeiro, Darcy - O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1995. Pag. 448 e 449.



*Eduardo Papa - Colunista, professor, jornalista e artista plástico (www.mosaicosdeeduardopapa.com)

 
 

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